domingo, 18 de dezembro de 2011

A ARTE DE SÉRGIO BRITTO



...E SÉRGIO BRITTO partiu para novos céus estrelados.

Eu conheci SÉRGIO BRITTO através do ator e produtor Nestor Montemar, meu amigo inesquecível, nos anos 1970. Passei a freqüentar seu apartamento na Santa Clara, Copacabana. SÉRGIO gostava muito de Nestor, ele estimulava e avalizava suas ideias arrojadas, mas sempre com altas ponderações que traziam o amigo pra real. Eram noites geniais que varavam a madrugada, entre gargalhadas, jantares, drinks e planos. Me lembro dele dando gargalhadas, entre piadas, projetos futuros e comentários atualizados do mundo teatral de então.

Foi saboreando de perto esse convívio que me levou a convidá-lo para dirigir em 1971 uma montagem infanto-juvenil de “Romeu e Julieta”, que Rubem Rocha Filho escreveu especialmente, com músicas da Banda Antiqua. Topou na hora, e eu me aventurei pela primeira vez em produção (com apoio financeiro de meu pai), que resultou em montagem que estreou o horário infantil, em produção de fora, do cultuado Teatro Ipanema. Fabiola Fraccaroli, Chico Ozanan, Luiz Armando Queiroz, Marco Nanini, Rinaldo Genes, André Valli e José Steinberg eram os atores principais, além de Nice Rissoni e os músicos da Banda Antiqua, os jovens de Verona. Foi o máximo. Sua direção calcada na commedia dell’arte foi muito elogiada.

Mas... muitos anos antes, o jovem RGIO BRITTO experimentou o Teatro do Estudante quando cursava Medicina. Um divisor de águas aconteceu: ser médico ou homem de teatro? Quando Paschoal Carlos Magno, em 1948, lhe apontou um teste para a montagem de “Hamlet”, protagonizada por Sérgio Cardoso e dirigida por Hoffmann Harnisch, seu coração balançou, e ele optou pela carreira artística. Assumiu o papel de Horácio na peça, o melhor amigo do príncipe dinamarquês, e na vida real como melhor amigo de Cardoso. Em sua biografia “O teatro & eu” (Tinta Negra Bazar Editorial), lançada no ano passado, dedicou grande espaço para narrar este momento:

Trecho: “Sérgio fazia um Hamlet romântico, histérico, um perigo em cena...Na cena final, Sérgio-Hamlet me pegava pelo pescoço e me derrubava escada abaixo. Certo dia, ele veio terrível, e quando me pegou, arrancou minha peruca e a atirou escada abaixo. A minha queda foi antecipada pela queda da peruca, era a peruca caindo e eu também. A platéia viu e se divertiu...

Presença viva na história de importantes Grupos e Companhias de teatro, como o Teatro do Estudante, Teatro dos Doze, Teatro Maria Della Costa, Teatro de Arena, Teatro dos Sete, Teatro Senac, Teatro dos Quatro, Teatro Delfim e os teatros do Centro Cultural Banco do Brasil, participou de grandes espetáculos, impossível de resumir. Entre eles, integrou o primeiro elenco profissional do Teatro de Arena (1953) em “Esta Noite é Nossa”, direção de José Renato ; com Maria Della Costa e Sandro Poloni, atuou em cinco montagens dirigidas por Giani Ratto, entre elas”O Canto da Cotovia” e “Mirandolina”, ambas estreladas por Maria.

No TBC, sob a direção de Maurice Vaneau fez “A Casa de Chá do luar de Agosto” em 1956, e tres anos depois, ao lado de Ratto, Fernanda Montenegro, Fernando Torres e Ítalo Rossi, criou o Teatro dos Sete com o grande sucesso da década: “ O Mambembe”, em temporadas nos Teatros Municipal e Copacabana.

Na pioneira TV Tupi carioca, em plena era JK, 1956 - lançou o mais famoso teleteatro de todos os tempos, o "Grande Teatro Tupi". O programa tornou-se capítulo especial na história da teledramaturgia, com 450 programas exibidos – a maioria ao vivo – por onde desfilou um repertório inigualável de autores nacionais e estrangeiros, como Goethe, Ibsen, Thorton Wilder, Pirandello, Tchecov, Machado de Assis e Nelson Rodrigues.

Lancei no início deste ano que se finda, o livro “TV Tupi do Rio de Janeiro, uma Viagem Afetiva” (Imprensa Oficial do Estado SP) pela Coleção Aplauso. Fui entrevistá-lo em sua casa em Santa Teresa, isso depois de muito insistir porque ele não parava. Recebeu-me às onze da noite, depois de um dia exaustivo de ralação.

Quando começamos a gravar o depoimento, o entusiasmo pelo assunto (adorava lembrar essa época) provocou-lhe um frescor tal que eu pensava: que pique, cara! – e ele falava, ria, recordava, viajava na maionese ...

Trecho: “A Fernanda acha que o Grande Teatro foi a nossa escola de teatro. Na Europa eles avaliam a capacidade do ator por intermédio do teatro de repertório, e montam dez peças por ano. Nós fizemos isso, a Fernanda diz que o teatro que não tivemos para evoluir, tivemos no repertório do programa. Ela está certa.”

“O encontro de duas personalidades assemelha-se ao contato de duas substancias químicas, se alguma reação ocorre, ambos sofrem uma transformação.” (JUNG)

Irmã por opção e pele, Fernanda Montenegro acompanhou SÉRGIO em toda a sua trajetória, sua história de vida se entrelaça com a dele. Direto. Em São Paulo na Companhia de Maria Della Costa a amizade se fixou, acompanhada de perto por Fernando Torres e Ítalo Rossi. Quando os quatro, juntamente com Zilka Salaberry, Nathália Timberg, Flavio Rangel, Aldo de Maio e Manoel Carlos estrearam o programa na Tupi, colaram de vez. A dupla imprimiu mais que uma marca de qualidade, mas um casal (almas gêmeas, talvez) muito muito carismático. No teatro, eles formaram par em inúmeros espetáculos, desde “O Mambembe” (1959) até “Volta do lar” (1967), como aparecem na foto acima, em performances de arrepiar. Só pra destacar dois...

Momento 1: “Quatro Vezes Beckett (1985), direção de Gerald Thomas, reuniu trio possesso: com Ítalo Rossi, brilhou ao lado de Rubens Correa. Pela foto dá pra sentir...

Momento 2: Ao lado de Nathália Timberg também formou um casal muito afinado em diversos momentos do Grande Teatro e nas longas temporadas de “Meu Querido Mentiroso”.

Momento 3: Nos anos de 2007/2008, celebrando os 60 anos de carreira, causou impacto por sua interpretação como o famoso psiquiatra suíço, em “Jung e eu” de Domingos de Oliveira e Giselle Kozovski. Questionador e ávido por conhecimento, encantou-se de tal maneira com Jung, valendo quase uma incorporação em cena, que declarou na época uma total identificação com a psicologia junguiana.

“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas uma outra alma humana.”(Carl Gustav Jung)

No Premio Sesc Rio de 2010, SÉRGIO BRITTO foi o homenageado especial. Ficou muito emocionado ao receber os aplausos da platéia do Teatro Ginástico, de pé, durante longos minutos. Um vídeo foi exibido, narrado por José Wilker, que começava assim:

Fomentar, semear, regar, sempre com muita paixão. Talvez essa seja a fórmula de mais de 65 anos na carreira. SÉRGIO BRITTO, um exemplo a ser seguido.

Com vida e obra intensa e longeva, SÉRGIO BRITTO era acima de tudo um animador cultural, como o define a irmã Fernanda. Estava sempre arquitetando algo, influenciando aqui e ali todo e qualquer projeto dos amigos. O Mestre foi se formatando, desde a sua interferência na criação da CAL – Casa das Artes de Laranjeiras, hoje a melhor escola de teatro carioca, onde também deu aulas e aplicou workshops, até o seu programa - “Arte com Sérgio Britto” - que apresentava há décadas na TV Brasil. Todos esperamos que eles sejam reprisados, pois fazem parte do acervo cultural do nosso país.

Deixo meu abraço ao sobrinho Paulo Cesar, em nome da família...

e à dedicada Zefa, representando seus muitos admiradores e amigos.



9 comentários:

  1. Belo e rico seu tributo a Sergio Britto.Fui dirigido por ele nas primeiras novelas da Globo,inesquecivel....carinho do velho ator emiliano queiroz

    ResponderExcluir
  2. Grandes Sergios! Bonito tributo, alias sua especialidade.Conheci Sergio Brito, e o teatro dos Quatro, no inicio de minha carreira. Nestor foi meu companheiro, partner em "Engraçadinha", portanto, só estava mesmo precisando conhecer você. Temos histórias cruzadas, incrivel, como não nos tornamos amigos antes.Mas acho que existe hora pra tudo. Ainda bem, que nos encontramos. Antes tarde que nunca né?Tambem era fã do trabalho maravilhoso desse grande ator.Parabens!

    ResponderExcluir
  3. Como sempre, esqueço de assinar. mas vc. sabe que sou eu...Vera Vianna!

    ResponderExcluir
  4. De tantos e tão importantes momentos de longa vida profissional, ficaram lembranças inesqueciveis, alegrias, satisfação de dever cumprido, tristezas. pecados, insatisfações, culpas por não ter conseguido fazer melhor. Mais signifcativas e importantes, não se apagam as "marcas" de orgulho e gratidão eternas por ter conhecido e convivido com gente como SERGIO BRITO, que aprendi a admirar e respeitar em nossos anos na TV Tupi do Rio de Janeiro. SERGIO foi, e sempre será, exemplo de grandeza de alma, honestidade, integridade plena, seriedade , generosidade inexcedivel e talento. Recordo. com imensa carinho , sua "entrega" total ao SEU GRANDE TEATRO para dizer um "ate logo" na espera de nosso novo encontro. Almeida Castro

    ResponderExcluir
  5. História de vida de impressionante dedicação a arte de representar.Ele viveu e respirou o teatro.
    Assisti a peça Rei Lear e ficamos todos muito impressionados com ele no palco na nossa frente num estado de encarnação mesmo . Foram instantes que eujamais vou esquecer. Sobral

    ResponderExcluir
  6. AINDA nos anos sessenta, acho que sessenta e cinco, eu fiz um pequeno papel na peça: Santa Joana de B.Shaw, e me vi cercado por nomes estelares (Maria Fernanda, Napoleão Muniz Freire, Jaime Costa, Nelson Vaz, o Sergio Brito e outros, ficamos muito amigos e êle me ajudou muito na minha cena, muito generoso. Falou-me sobre Bernard Shaw e falou que gostava muito do Texto e eu tava começando no Teatro e bebia com voracidade qualquer informação. Anos depois já nos anos oitenta fui integrar o elenco do Rei Lear. Outro mundo estalar: Italo Rossi, Ney Latorraca, José Meyer, Ary Fontoura, Fernadinha Torres e tantos outros, O Sérgio Protagonizava, fazendo o Rei Lear, era muito bom Produtor, ensaei uns quinze dias, mas tive que sair do elenco, não tava dando para consiliar, uma pena, o Sérgio ainda tentou fazer um arranjo de horário, mas foi o jeito eu sair. Ele sentiu muito, mas continuamos amigos. A Última vez que eu o abracei, foi quando ele foi ver o Mambembe de Arthur Azevedo que eu dirigi no "Sesc Ginástico e êle foi me prestigiar e obviamente eu ofereci naquela noite o epetáculo a êle, pois êle tinha feito O galã (S. Eduardo)na celebre montagem no teatro Municipal sob a direção do Gianni Ratto, na estréia do Teatro dos Sete.

    Noite dos Capeões, Beijo no Asfalto.Varios Bect, Jardim da Ceregeras e centenas deles etc.Mas o espetáculo que eu mais gostei com o Sérgio ele tava va soberbo, foi um que eu vi no Banco Do Brasil, esqueci no nome era Com êle e Mrlene , enquanto ele diazia poemas do Brecht, Marlene Cantava músicas de Kurt Weil. LINDO. Inesquecivel. Alguns anos depois eu lhe disse de minha preferência, ficou muito contente porque tambem era um dos seus preferidos.
    Eu acho que já falei demais, mas para o Sérgio Britto, que viveu e comandou a cena carioca por mais de meio século, não se pode falar pouco. Mas vou parar aqui. A palavea é Saudade
    e a sensação :é de um Vazio enorme.
    Tá aí! Luiz Sérgio.
    Um beijo Grande.
    at.
    Almir Telles

    ResponderExcluir
  7. Me lembro bem do tempo dele no Grande teatro Tupi, era o ator mais bonito de todos na época. Eu era apaixonada por ele como também minhas amigas do São Fernando.Tinha na época uma idolatria porque era um galã de verdade,e eu tive uma colega que juntava fotografias do Sergio Brito e um dia ela foi até na Urca e ele autografou.Ela ficou louca na preseneça dele e ficou tempos só falando disso, até o dia que descobriu onde morava e partiu para a sedução propriamente dita.E como ele não deu bola ela teve coragem de aparecr de madrugada jurando todo amor do mundo.Me lembro bem disso porque era irresistivel e nós acompanhando de perto. A junventude ,que bom tempo!!!!! Wânia Sá Peixoto

    ResponderExcluir
  8. É um artista com A maiusculo!!!Saudades SOL

    ResponderExcluir
  9. Sergio Britto;Alma humana;queficou em nossas lembranças.

    ResponderExcluir