sexta-feira, 6 de setembro de 2013

O MITO ERÓTICO ELVIRA PAGÃ



Escandalosa, lasciva, desaforada e explosiva, ELVIRA PAGÃ (1920-2003) era uma figuraça. Seu nome era sinônimo de escândalo, atentado ao pudor, imoralidade. A bordo de um corpo escultural, mexeu com a testosterona de uma geração – ela enlouqueceu os hômi! -  e virou ‘símbolo sexual’ nas décadas de1940, 50 e 60, quando atuou como vedete nos palcos do Teatro Recreio, Cassino Icaraí, Boate Arpége e Teatro Follies de Copacabana.

Lançadora do biquíni no Brasil, ganhou o título internacional The Original Bikini Girl, depois do desfile pela praia de Copacabana, em 1950,  quando foi convidada pela Associação dos Cronistas Carnavalescos a se candidatar à Rainha do Carnaval, obtendo vitória  consagradora com 121.885 votos vendidos, a maioria, pela própria.                            


Elvira Olivieri Cozzolino nasceu em Itararé (SP), de pai americano e mãe paranaense. Com a irmã Rosina formou a dupla As Irmãs Pagãs, gravando 13 discos e participando de números musicais de filmes da Cinédia, como no conhecido “Alô, alô Carnaval” (1936) de Adhemar Gonzaga. Desfeita a dupla, brigou com a irmã e virou vedete (“ela roubou meu address-book”), enquanto a mana foi para os Estados Unidos e casou-se com político americano, e mesmo com as relações estremecidas, sustentou ELVIRA até o fim de sua vida.

ELVIRA PAGÃ tornou-se rival de Luz del Fuego, a quem chamava com desdém de  “a mulher das cooobras”. As duas trabalharam em algumas revistas juntas mas se detestavam. Disse-me Rose Rondelli, que esteve no elenco de uma destas revistas, que as duas colocavam trabalhos de macumba nas portas de seus respectivos camarins. Com direito à farofa, galinha e velas acesas, para desespero dos artistas que passavam pelos corredores para a troca de roupas. rsrs    


Depois de ter sido guardada pela polícia por atentado ao pudor, apenas por exibir-se de biquíni no palco, e tendo sido perseguida por conhecido delegado moralista da época, foi espancada e presa diversas vezes, com destaque da imprensa sensacionalista que anunciava seu nome nas manchetes: “Elvira Pagã na prisão”. Em represália, compôs o samba “Cassetete não” que virou número musical nas revistas do Teatro Recreio e sucesso nos salões carnavalescos.


Aos treze anos casou-se com o milionário Eduardo Duvivier, que na época tinha quase 30 anos mais que ela...O casamento foi anulado alguns meses depois por exigência da família. Orgulhosa de ter namorado o astro Errol Flynn (“ele tinha um membro enooorme”), com igual orgulho contava que foi a primeira mulher na vida do adolescente Daniel Filho, quando estrelou diversas revistas produzidas por seus pais Juan e Mary Daniel no Teatro Follies de Copacabana.


Pintou o sete e também muitos quadros, a maioria de temas religiosos e extraterrestres...Pintou o quadro Rita Lee no Baixo Leblon, em retribuição a homenagem que recebeu de Rita, um pop-rock em parceria com Roberto de Carvalho, em 1982: “Elvira Pagã”.

“...Foi-se o tempo em que nua era Elvira Pagã, então eu digo: santa, santa, só a minha mãe e olhe lá... É canja-canja, o resto põe na sopa pra temperar”.


No fim dos anos 60 se recolheu. Saiu da vida artística e da vida social e ficou esotérica. Escreveu diversos livros, “Eu, Elvira Pagã,” “Adão e Eva”, “Eu e os mundos”, todos relatando sua vida e a  Doutrina da Verdade, seita que fundou e assumiu como sacerdotisa. Neles fazia revelações tipo “o fundo do mar está rachado”, ou a sua versão da civilização adâmica, ou as reencarnações de políticos e guerreiros...
Morando com a mãe, saía com ela  pelos restaurantes e bares da zona sul para vender seus livros.


E rolava a década de 80 quando eu a conheci numa festa. Elegeu-me o seu ‘discípulo número um’,  e assim passei a manter uma amizade surpreendente com a PAGÃ. Era muito divertida e completamente inesperada. Residindo em frente ao Pinel, recebia jornalistas para entrevistas, mas nem sempre as coisas acabavam bem. Foi assim que deu uma corrida na Gloria Maria e na equipe do “Fantástico”, como também acabou expulsando da sua casa a galera do Pasquim, que a entrevistou  e acabou contando tudo com aquele humor deles... “Aquele tarado do Ziraldo disse que encheu uma piscina de esperma de tanto se masturbar por mim,” disse-me. Risos.


Para entregar o quadro de Rita Lee que tanto queria, armei uma operação de guerra. Consegui com a Ivone Kassu convites e acesso ao camarim no célebre show do Maracanãzinho em 1984; com Melise Maia e Fernando Libardi no Circo Voador, ela foi a grande estrela da Noite de Madame Satã; também na exposição de Mauricio Arraes no Hotel Nacional, acompanhei-a, e para deleite de convidados, como Caetano Veloso, ela foi um acontecimento. Ao acompanhá-la para ser entrevistada no programa “Noites cariocas” do seu admirador Nelson Motta, desentendeu-se com Scarlet Moon, quando ela se retocava no set minutos antes da entrevista: “Vai se maquiar agoooora? Você não é profissional, Moon...” Scarlet deu-lhe um chega pra lá: “Ih, fica na tua Elvira...” E o estúdio às gargalhadas. A entrevista foi hilária.


Pretendo escrever um livro biográfico sobre ELVIRA PAGÃ contando um pouco da sua presença no comportamento de uma época reprimida e repressora, em que ela, de certa maneira, rompeu com os padrões de comportamento, aprontou e encarou o machismo reinante com um paganismo inusitado. Como pano de fundo, o frenético mundo pós-guerra, a ditadura militar e os revolucionários anos 60, por onde ela pisou com determinação e coragem.

O mundo nunca mais foi o mesmo depois de ELVIRA PAGÃ...