Escandalosa, lasciva, desaforada e explosiva, ELVIRA PAGÃ
(1920-2003) era uma figuraça. Seu nome era sinônimo de escândalo, atentado ao
pudor, imoralidade. A bordo de um corpo escultural, mexeu com a testosterona de
uma geração – ela enlouqueceu os hômi!
- e virou ‘símbolo sexual’ nas décadas
de1940, 50 e 60, quando atuou como vedete nos palcos do Teatro Recreio,
Cassino Icaraí, Boate Arpége e Teatro Follies de Copacabana.
Lançadora do biquíni no Brasil, ganhou o título
internacional The Original Bikini Girl, depois do desfile pela praia de
Copacabana, em 1950, quando foi
convidada pela Associação dos Cronistas Carnavalescos a se candidatar à Rainha
do Carnaval, obtendo vitória consagradora com 121.885 votos vendidos, a
maioria, pela própria.
Elvira Olivieri Cozzolino nasceu em Itararé (SP), de pai
americano e mãe paranaense. Com a irmã Rosina formou a dupla As Irmãs Pagãs,
gravando 13 discos e participando de números musicais de filmes da Cinédia,
como no conhecido “Alô, alô Carnaval” (1936) de Adhemar Gonzaga. Desfeita a
dupla, brigou com a irmã e virou vedete (“ela roubou meu address-book”),
enquanto a mana foi para os Estados Unidos e casou-se com político americano, e
mesmo com as relações estremecidas, sustentou ELVIRA até o fim de sua vida.
ELVIRA PAGÃ tornou-se rival de Luz del Fuego, a quem chamava
com desdém de “a mulher das cooobras”.
As duas trabalharam em algumas revistas juntas mas se detestavam. Disse-me Rose
Rondelli, que esteve no elenco de uma destas revistas, que as duas colocavam
trabalhos de macumba nas portas de seus respectivos camarins. Com direito à
farofa, galinha e velas acesas, para desespero dos artistas que passavam pelos
corredores para a troca de roupas. rsrs
Depois de ter sido guardada pela polícia por atentado ao
pudor, apenas por exibir-se de biquíni no palco, e tendo sido perseguida por
conhecido delegado moralista da época, foi espancada e presa diversas vezes,
com destaque da imprensa sensacionalista que anunciava seu nome nas manchetes: “Elvira
Pagã na prisão”. Em represália, compôs o samba “Cassetete não” que virou número
musical nas revistas do Teatro Recreio e sucesso nos salões carnavalescos.
Aos treze anos casou-se com o milionário Eduardo Duvivier,
que na época tinha quase 30 anos mais que ela...O casamento foi anulado alguns
meses depois por exigência da família. Orgulhosa de ter namorado o astro Errol Flynn (“ele tinha um membro enooorme”), com igual orgulho contava que foi a
primeira mulher na vida do adolescente Daniel Filho, quando estrelou diversas
revistas produzidas por seus pais Juan e Mary Daniel no Teatro Follies de
Copacabana.
Pintou o sete e também muitos quadros, a maioria de temas
religiosos e extraterrestres...Pintou o quadro Rita Lee no Baixo Leblon, em
retribuição a homenagem que recebeu de Rita, um pop-rock em parceria com
Roberto de Carvalho, em 1982: “Elvira Pagã”.
“...Foi-se o tempo em que nua era Elvira Pagã, então eu
digo: santa, santa, só a minha mãe e olhe lá... É canja-canja, o resto põe na
sopa pra temperar”.
No fim dos anos 60 se recolheu. Saiu da vida artística e da
vida social e ficou esotérica. Escreveu diversos livros, “Eu, Elvira Pagã,”
“Adão e Eva”, “Eu e os mundos”, todos relatando sua vida e a Doutrina da Verdade, seita que fundou e
assumiu como sacerdotisa. Neles fazia revelações tipo “o fundo do mar está
rachado”, ou a sua versão da civilização adâmica, ou as reencarnações de
políticos e guerreiros...
Morando com a mãe, saía com ela pelos restaurantes e bares da zona sul para
vender seus livros.
E rolava a década de 80 quando eu a conheci numa festa. Elegeu-me
o seu ‘discípulo número um’, e assim
passei a manter uma amizade surpreendente com a PAGÃ. Era muito divertida e
completamente inesperada. Residindo em frente ao Pinel, recebia jornalistas para
entrevistas, mas nem sempre as coisas acabavam bem. Foi assim que deu uma
corrida na Gloria Maria e na equipe do “Fantástico”, como também acabou expulsando
da sua casa a galera do Pasquim, que a entrevistou e acabou contando tudo com aquele humor
deles... “Aquele tarado do Ziraldo disse que encheu uma piscina de esperma de
tanto se masturbar por mim,” disse-me. Risos.
Para entregar o quadro de Rita Lee que tanto queria, armei
uma operação de guerra. Consegui com a Ivone Kassu convites e acesso ao camarim
no célebre show do Maracanãzinho em 1984; com Melise Maia e Fernando Libardi no
Circo Voador, ela foi a grande estrela da Noite de Madame Satã; também na
exposição de Mauricio Arraes no Hotel Nacional, acompanhei-a, e para deleite de
convidados, como Caetano Veloso, ela foi um acontecimento. Ao acompanhá-la para
ser entrevistada no programa “Noites cariocas” do seu admirador Nelson Motta,
desentendeu-se com Scarlet Moon, quando ela se retocava no set minutos antes da
entrevista: “Vai se maquiar agoooora? Você não é profissional, Moon...” Scarlet
deu-lhe um chega pra lá: “Ih, fica na tua Elvira...” E o estúdio às
gargalhadas. A entrevista foi hilária.
Pretendo escrever um livro biográfico sobre ELVIRA PAGÃ contando
um pouco da sua presença no comportamento de uma época reprimida e repressora,
em que ela, de certa maneira, rompeu com os padrões de comportamento, aprontou
e encarou o machismo reinante com um paganismo
inusitado. Como pano de fundo, o frenético mundo pós-guerra, a ditadura
militar e os revolucionários anos 60, por onde ela pisou com determinação e
coragem.
O mundo nunca mais foi o mesmo depois de ELVIRA PAGÃ...