quinta-feira, 22 de março de 2012

RAUL SEIXAS, O MOLEQUE MARAVILHOSO




Ele não cometeu pequenos erros enquanto

pôde causar terremotos...

RAUL SEIXAS (1945-1989), contestador, revolucionário, desaforado e místico, é considerado o pai do rock brasileiro. Tive o privilégio de acompanhar seu surgimento desde quando ainda era moleque. Maravilhoso!

“Eu nunca cometo pequenos erros

Enquanto eu posso causar terremotos,

E das tempestades já não tenho medo,

Acordo mais cedo!

...Eu sou o Moleque Maravilhoso

Num certo sentido

Sou mais perigoso...”

Rapazinho ainda, pirol geral em Elvis Presley, conectou-se ao rock and roll definitivamente, quando os jovens da sua época não tinham muita loção do que vinha pela frente. Montou um fã-clube pra Elvis em Salvador e integrou a banda Os Panteras. No Rio, foi parar na gravadora CBS como produtor musical por interferência do cantor Jerry Adriani, que convenceu o então poderoso Evandro Ribeiro a contratá-lo. Colado em Sérgio Sampaio, produziu às escondidas o disco “Sociedade da Grã-Ordem Kavernista”, o que assustou a gravadora.

Partiu pra carreira-solo, compondo um rock que namorava o baião, gênero que escutou direto na adolescência da música nordestina de Luiz Gonzaga, sua grande influencia. “Let me sing, Let Me sing” (em parceria com sua primeira mulher, Edith Nadine Seixas) arrepiou o Festival Internacional da Canção de 1972, chegando às finalistas. O impacto da presença dele no palco, causou!

Seu primeiro grande sucesso nas paradas da época foi “Ouro de tolo”, lançado no líder de audiência programa de Flávio Cavalcante na TV Tupi. Enquanto ele cantava no auditório da Urca, Flávio acompanhava com a letra na mão, e comentava entusiasmado o surgimento de um grande letrista.

“Eu que não me sento no trono de um apartamento

Com a boca escancarada cheia de dentes

Esperando a morte chegar...

Porque longe das cercas embandeiradas

Que separam quintais

No cumo calmo do meu olho que vê

Assenta a sombra sonora de um disco voador”

Vidrado em Filosofia, Psicologia, História, Literatura e Latim, Raulzito misturava tudo em pessoalíssimo liquidificador, produzindo rocks, baladas, boleros e baiões geniais. É impossível listar uma obra tão rica e efervescente, pois foram diversos os hits que conquistou nos seus 21 discos gravados e muito bem aceitos. “ Gitã” vendeu 600 mil discos, cristalizando a canção título como seu principal escudo místico.

Eu!

Mas eu sou o amargo da língua,

A mãe, o pai, o avô

O filho que ainda não veio

O início, o fim e o meio”

Inspirando-se nestes versos, o cineasta Walter Carvalho dirigiu um documentário sobre ele, que estreia nas telas brasileiras nesta semana: “Raul, o início, o fim e o meio”. O filme traça a carreira na infância baiana quando conheceu Elvis Presley até sua morte aos 44 anos. Carvalho resumiu 400 horas de filmagens a um filme de duas horas com mais de 90 entrevistas, entre amigos, parentes, fãs e seu parceiro mais ilustre, Paulo Coelho:“Tem gente que vem pra passar rápido, Raul é um meteoro”, define Carvalho.

Debochado até a alma, causou ira nos militares da época quando se apresentou na festa do Concurso de Miss Brasil em Brasília, 1974. Em pleno Ginásio Emilio Médici lotado, com as presenças dos ministros Delfin Neto e Arnaldo Prieto, generais do exército e autoridades, ele entrou de pijama escovando os dentes e cuspindo no chão, como o próprio declarou: “Eu fui fazer o show do concurso e me deram uma roupa igual as do Mick Jagger. Como eu não sou Mick Jagger, vesti um pijama e entrei no palco escovando os dentes. A galera da geral vibrou, mas eu acabei preso durante cinco dias em Brasília”.

Fugindo das óbvias citações musicais, deixo a “galera da geral” com um rock memorável para mim, “Moleque maravilhoso”, um dos que mais gosto do seu caudaloso baú. Sem dúvida, ele não cometeu pequenos erros, causou mesmo tremendos terremotos. E virou mito, o que não é pra qualquer um. Mas um pouco antes disso, confesso que vivi.

Raul direcionou minha juventude, me dando toques preciosos que nunca nunca esqueci.

“...Com o meu bodoque sempre no pescoço

Eu exijo o meu osso !”




domingo, 11 de março de 2012

JACK KEROUAC, ON THE ROAD AGAIN



Se vivo fosse, o escritor americano JACK KEROUAC (1922-1969) completaria 90 anos no dia de hoje, 12 de março. Influenciador-mor da geração jovem dos anos 60 pela autoria do livro “On the road”, a bíblia da Geração beat, e no ano de seu nonagésimo níver, chega às telas finalmente a versão cinematográfica do famoso romance. Dirigido por Walter Salles, “On the road” será apresentado no Festival de Cannes 2012, em maio, e estreia no Brasil no mês seguinte.

“Qual é a sua estrada, homem? – a estrada do místico, a estrada do louco, a estrada do arco-íris, a estrada dos peixes, qualquer estrada...Há sempre uma estrada em qualquer lugar, para qualquer pessoa, em qualquer circunstancia. Como, onde, por que ?” (JK)

Foi botando o pé na estrada que Kerouac escreveu sua obra-prima, o romance “On the road” (1957), que recebeu no Brasil uma tradução à altura, assinada por Eduardo Bueno (L&PM Pocket). Trata-se de uma obra emblemática que influenciou a música – do rock ao pop – e os Movimentos Hippie e do Punk. A aventura americana na estrada baseada em fatos reais, conta a história do aspirante a escritor Sal Paradise e sua mulher Marylou. Depois da morte do pai e em companhia do amigo Dean Moriarty, um jovem e sedutor ex-presidiário, resolvem botar o pé na estrada. Os amigos cortam os laços com o passado e atravessam os Estados Unidos de costa a costa, sedentos por liberdade.

Segundo Bueno, seus livros anteriores viajaram em enredos não estabelecidos, expressando sua persona livremente. Mas "On the road" é algo mesmo especial em sua obra. E o estilo Kerouac influenciou Sam Shepard, Bob Dylan, Charles Bukowski, Jim Morrison, Lou Reed, Neil Young, Tom wolfe e tantos outros. Até hoje influencia talkins-heads contemporâneos.


Sal Paradise, o alter-ego de Kerouac, será vivido por Garret Hedlund, sua mulher Marylou é Kristen Stewart e Dean Moriarty, Sam Riley. No elenco também, Steve Buscemi, Elisabeth Moss, Tom Sterridge e a brasileira Alice Braga. O diretor Walter Salles tem outros road-movies em sua carreira: “Terra estrangeira”, “Central do Brasil” e “Diários de motocicleta”, mas é provável que este seja o que mais batalhou realizar. Não são de hoje suas tentativas, que começaram nos anos 90. E há vinte anos antes, Francis Ford Coppola comprou os direitos, ameaçou mas não rodou.


Os beatniks, nascidos a partir do sucesso literário de Kerouac, desconstruíram os Estados Unidos macartista, de direita, em plena guerra fria, plantando a semente dos libertários. O termo beatnik é uma corruptela do inglês beat – batida, pulsação, ritmo, com o nome do satélite russo Sputunik. Trata-se um movimento originado na literatura que abriu caminho para um novo comportamento que desdobraria na revolução cultural dos anos 60. Os hippies são filhos dos beats, os existencialistas primos e os punks, sobrinhos, e etc...
O poeta Allen Ginsberg com Kerouac, 1945

O poeta Allen Ginsberg com Keruac em 19Foi na Universidade da Columbia (NY) que Kerouac conheceu Allen Ginsberg, William Burroughs e Neal Cassidy, entre outros, e ali nasceu o núcleo dos beats, os rebeldes, inconformados e topetudos caras que sacudiram a América... e o mundo. Pra ser livre, há que ser topetudo!

“Os desajustados. Os rebeldes. Os criadores de caso. Os pinos redondos nos buracos quadrados. Aqueles que vêem as coisas de forma diferente. Eles não curtem regras. E não respeitam o status quo. Você pode citá-los, discordar deles, glorificá-los ou caluniá-los. Mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Empurram a raça humana para a frente. E, enquanto alguns os vêem como loucos, nós os vemos como geniais. Porque as pessoas loucas o bastante para acreditar que podem mudar o mundo, são as que o mudam.” (JK)


“On the road” foi rodado nos Estados Unidos, Canadá e México. Vamos curtir o trailer enquanto o esperado filme não chega. Tá perto. On the road again...




segunda-feira, 5 de março de 2012

TEM F E L L I N I NO RIO



O Rio de Janeiro bota tapete vermelho para receber nada menos que o gênio de FEDERICO FELLINI (1920-1993) em mostra retrospectiva, com exposição e exibição de filmes, no Instituto Moreira Salles, de 11 de março a 17 de junho: “TUTTO FELLINI” tem a curadoria do suíço SAM STOURDZÉ, diretor do Musée de l’Elysée (Lausanne), e organizado pelo IMS com a colaboração do Instituto Italiano di Cultura do Rio. Entrada franca. É de graaaça, pessoal.

A exposição, que já passou por San Sebastian, Moscou e Toronto, apresenta 400 itens da coleção particular do diretor: fotografias de bastidores dos filmes, desenhos, trechos de entrevistas, cartazes, vídeos e documentos inéditos. Do Rio, o evento segue para Sampa, no Sesc Pinheiros.

Vinte longametragens da mais alta estirpe feliniana serão exibidos a partir de 14h, com entrada paga, desde o primeiro, “Mulheres e luzes”(1950) até os consagrados “Noites de Cabíria”, “Os palhaços”, “Amarcord” e “A Doce vida”, entre os principais. Detalhe: às sextas feiras, às 14h, a exibição do filme será gratuita e comentada por convidado especial.

Outra curiosidade é o Livro dos Sonhos, escrito a partir de seus sonhos por mais de trinta anos – de 1960 a 1990, e que espelham a fantasia tão comum em seus filmes.

nino rota desenhado por fellini

NINO ROTA (1911-1979), ou Giovanni Rota Rinaldi, fez músicas para todos os filmes de FELLINI. Impossível desassociar um gênio do outro.

Para a seleta plateia do BUCANEIRO, apresentamos uma entrevista de ROTA para a RAI, seguindo da presença de FELLINI no ensaio de um dos temas mais emblemáticos da dupla: o tema da generosa cabeleireira Gradisca, de "Amarcord". Sim, eu me recordo...

No final, emoção pura: no set, FEDERICO e equipe atiram bolas de neve em MAGALI NÖEL, a gostosa Gradisca.


domingo, 4 de março de 2012

CAFOFO DA POESIA - 14 -


Ela é carioca, ela é carioca, saca o jeitinho dela... ANA CRISTINA CESAR (1952-1983), poetisa, tradutora e ensaísta, um dos nomes mais expressivos da geração mimeógrafo, ou poesia marginal, começou a publicar seus poemas em revistas e jornais alternativos da década de 1970.

Livros publicados: Cenas de abril, Correspondência completa, Luvas de pelica e A teus pés (Editora Brasiliense). São poemas fragmentados em linguagem íntima e confessional que relatam o cotidiano. Seu discurso, quase sempre na primeira pessoa do singular, revela um diálogo consigo mesma. Ana suicidou em 1983.

FLORES DO MAIS
- Ana Cristina Cesar -

Devagar escreva

uma primeira letra

escreva

nas imediações construídas

pelos furacões ;


Devagar meça

a primeira pássara

bisonha que

riscar

o pano de boca

aberto

sobre os vendavais ;


Devagar imponha

o pulso

que melhor

souber sangrar

sobre as facas

das marés ;


Devagar imprima

o primeiro olhar

sobre o galope molhado

dos animais ;


Devagar peça mais

e mais e mais.