domingo, 21 de agosto de 2011

SOLAR DA FOSSA, OÁSIS DA CONTRACULTURA





O Solar da Fossa (1964-1971) foi o “ri-fi-fi pálace hotel” do desbunde, refúgio ideal para artistas e intelectuais que transitaram pelo final da década de 60 no Rio de Janeiro. Eram tempos sombrios e solares ao mesmo tempo, onde se plantava pé de sonho numa terra dita...dura muito braba. Este território livre de jovens inconformados e criativos marcou uma época de muita luta, dureza e idealismo político, quando a mobilização e a contestação social espelharam-se no espírito libertário da época.

O movimento da Contracultura nasceu ali naquela pensão instalada no casarão da avenida Lauro Sodré, em Botafogo, onde hoje é o Shopping Rio Sul, que ironia! Era a Pensão da Dona Jurema (ou Pensão Santa Teresinha) que foi batizada de Solar da Fossa pelo carnavalesco e homem de teatro Fernando Pamplona, quando lá morou depois da separação.

Debates filosóficos, canções geniais sendo compostas, gemidos de amor atravessando as paredes e muuuita farra (que ninguém é de ferro) marcaram a existência do célebre Solar. Da fossa, por que tava na moda “estar na fossa”, era uma postura correta e charmosa, herdada do existencialismo, do clima intelectual do cinema novo e da bossa nova que nasciam. Era uma fossa existencial por que ninguém estava satisfeito com os rumos do país. O clima geral era de revolta e transgressão a todos os valores que estavam em pauta.



O Solar virou livro: “Solar da Fossa – um Território de Liberdade, Impertinências, Ideias e Ousadias” de Toninho Vaz (Editora Casa da Palavra), lançado mês passado.
O autor nunca morou lá, mas sua ligação com Paulo Leminski e Torquato Neto, residentes do Solar, lhe despertaram o interesse de escrever sobre a pousada mais underground de todos os tempos. As histórias são animadas, e a contextualização, histórica.



Toninho Vaz já havia escrito a biografia do professor, poeta, escritor, tradutor e músico Paulo Leminski (“O bandido que sabia latim”/Edit.Record) quando se interessou em levantar a história do Solar. Desenvolveu o trabalho por dois anos, e depois de uma frustrada tentativa na Editora Record, fechou com a Casa da Palavra a publicação. Leminski escreveu lá o seu famoso romance “Catatau”, compôs “Verdura”, que o vizinho Caetano Veloso gravou no disco “Outras palavras”, e produziu seus poemas de vanguarda, publicados em revistas alternativas de então.

AI-5, Woodstock, o homem pisando a lua, jornais e revistas alternativos, como O Sol/Poder Jovem de Reynaldo Jardim e movimentos estudantis em todo mundo faziam contraponto com o Movimento Hippie e a esperada Era de Aquarius no pano de fundo, abrindo a tampa da efervescente década de 70.



Caetano Veloso, a figura mais emblemática da época, morou e criou muuuito no Solar. Compôs tres jóias marcantes no seu apê: “Alegria, alegria”, “Paisagem útil” e “Panis et circenses”, que cita na letra:

Mandei plantar/ Folhas de sonho no jardim do Solar/ as folhas sabem procurar pelo sol...



Gal Costa ainda não era a musa do tropicalismo, mas lá ela fez o vestibular, em tempos de riponga, muita dureza, durango kid total, como ela diz:
“Lembro que não havia nada para comer, nem dinheiro, só um vale de garrafa vazia de Coca. Foi o que me salvou, pois consegui comprar leite gelado e um bolinho de fubá.”



Maria Gladys, na época, era doublé de atriz e dançarina de yê-yê-yê do Imperial na TV Rio. Namorou Roberto Carlos nos intervalos dos ensaios do Teatro Jovem de Kleber Santos, que também morava no Solar. Conta um jornalista que escutou nos corredores uma briga daquelas entre ela e Kleber: “Seu problema é que você não tem xavasca!”...

Sempre antenada, ela conceitua bem esta época de efervescência: “Estar na fossa nesses dias, demonstrava engajamento, preocupação com o mundo ou apenas uma paixão irremediavelmente não correspondida.”



Paixões e casamentos rolaram direto. Marieta Severo e Chico Buarque se cruzaram pela primeira vez no pátio do Solar, onde além das performances de Naná Vasconcelos, a paquera rolava solta. Hélio Oiticica pintava, Macalé batucava, entre goladas de conhaque Dreher. Os pegadores estavam sempre de plantão, como Roberto Talma:
“ No Solar onde havia um grande elenco de mulheres bonitas, se você não tivesse alguma literatura, um pensamento filosófico atualizado, uma conversa definida sobre arte,você não comia ninguém...”




Betty Faria é símbolo da mulher consciente e livre que nasceu neste revolucionário tempo, tipo Leila Diniz, Helena Ignez, Tânia Scher, Gladys, Aninha Magalhães, Isabel Ribeiro, Marilia Pêra, Celinha Azevedo, Adriana Prieto, Sonia Dias, Silvia Sangirardi, Maria Lucia Dahl, Marieta Severo, Darlene Glória, Vera Vianna, Rosa Maria Pena e a doce Anecy Rocha, entre outras...Em 1968 quando entrevistei Betty para o Jornal de Ipanema, grávida de Alessandra e correndo em passeatas estudantis, perguntei : o que você dirá pra sua filha quando ela for jovem? E Betty: “Vou dar pra ela uma caixa de pílulas anticoncepcionais.”

Sobre o Solar, seu lar por um bom tempo, diz: “Naquele momento, aos 24 anos, me faltava apenas liberdade pessoal, aquele rompimento necessário para uma pessoa passar a ser gente.”



“Mas eu sou diferente, e só vou bem conversada!”...


Era o que cantava Darlene Glória no musical “Praça Onze” da TV Rio, em quadro luxuoso musicado por João Roberto Kelly. Na mesma época habitava o Solar, apaixonada pelo policial Mariel Mariscott. Com ele teve seu primeiro filho, e depois mudou-se de lá pra casa da mãe, levando o enxoval que Regina Duarte presenteou.“Curtíamos a falta de comida e a luta pelo sucesso”, relembra Darlene.



Tânia Scher era radiosa, gostosa e cheia de gás, mas estava sempre na fossa. Virou na época personagem do cartunista Jaguar, a Tânia da Fossa. Na parede do reformado bar Zepellin de Ipanema,o cartoon: o ratinho Sig gritando para um buraco negro: “Tânia, sai da fooooossa!”.





Bigode, ou Luiz Carlos Lacerda, morou por dois anos, sempre no mesmo apartamento. Com a turma do cinema novo, muitos projetos floresceram pelas suas mãos. Em 1969, envolvido na produção do filme “Máscara da Traição” de seu amigo Roberto Pires, cedeu seu apê para locação do filme. O excelente policial do talentoso (e grande figura) Pires, estrelado por Glória Menezes, Tarcísio Meira e Cláudio Marzo, pode ser visto na programação do Canal Brasil.


Na seqüência, uma cena do trio poderoso protagonista, rodada no apartamento de Bigode, uma imagem viva do Solar da Fossa. Curtam.






Salve o Solar de impertinências e ousadias, como diz o escritor Toninho Vaz, que presenteia o século 21 com um documento substancial de importante momento social, político e artístico rolado no século passado. Salve!



quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A VOLTA DAS IMPAGÁVEIS Z E Z É E D E R C Y




O Brasil é farto de grandes atrizes comediantes: Nancy Wanderley, Consuelo Leandro, Violeta Ferraz, Alda Garrido, Ema D’Avila, Dinorah Marzullo, Zilda Cardoso, Nádia Maria, Rose Rondelli, Sonia Mamed e Carmen Verônica ( as tres últimas dublés de vedetes ), são as principais matrizes do gênero que a minha geração conheceu.

Duas delas são hors-concours: ZEZÉ MACEDO e DERCY GONÇALVES. Elas são temas de uma peça de teatro e uma minissérie para a televisão que estão sendo produzidas atualmente no Rio de Janeiro.

ZEZÉ MACEDO será vivida no palco por BETTY GOFMAN na peça “A Vingança do espelho” de Flavio Marinho, direção de Amir Haddad e produção de Eduardo Barata, com estréia marcada para dezembro próximo no Teatro Tonia Carrero.

A ideia de trazer para o século 21 a trajetória desta extraordinária atriz é excelente, não só para os que tiveram o privilégio de assistir seus trabalhos, como também para a nova geração das plateias brasileiras. BETTY tem brilho e acabamento para a delicada tarefa, é uma grande sacada. Contracenará com Tadeu Mello, outro talentoso ator da atualidade que quando compõe um tipo lembra um mix de Mesquitinha e Mazzaropi, ao sabor da memória.

Não entendi o por que do título, me soa algo pejorativo, ligado a padrão de beleza, o que passa longe da característica da intérprete especializada em comédia.Enfim, talvez seja uma avaliação precipitada, e esteja falando tremenda besteira. Flávio Marinho é autor experiente no assunto com bem sucedidas experiências no gênero.

DERCY GONÇALVES vira minissérie na Globo que abrirá a programação 2012 da emissora, escrita por Maria Adelaide Amaral e dirigida por Jorge Fernando. Maria Adelaide é autora da ótima biografia “Dercy de cabo a rabo”. Para dar vida à longa carreira da homenageada, duas atrizes estão escaladas: HELOISA PERISSÉ na fase jovem e FAFY SIQUEIRA na idade adulta. Show.

A jovem DERCY, de Madalena aos mambembes pelo interior e até chegar à Praça Tiradentes, dará à radiosa PERISSÉ a oportunidade definitiva de mostrar seu refinamento artístico, inteligente e talentosa que é.

FAFY tem o fogo sagrado da comédia, desde quando surgiu como cantora e compositora, até seus desempenhos como atriz do teatro e da televisão. Recentemente viveu DERCY na fraca minissérie sobre Dalva de Oliveira, e foi o melhor de tudo. Ela tem naturalmente o lado de despudor e de histriônico da Musa (e ainda sob a direção de Jorginho),vai arrasar o quarteirão.

Os projetos que evocam estes grandes artistas do nosso cenário são cada vez mais numerosos. Shows biográficos, espetáculos de teatro e minisséries televisivas são tiros certos porque, acima de tudo, possuímos uma rica galeria de brilhantes nomes do passado, que deixaram suas marcas e fazem a nossa história.

E ZEZÉ MACEDO e DERCY GONÇALVES são referencias no humor brasileiro. Demorô!



domingo, 7 de agosto de 2011

HOMENAGEM A ROBERTO MÁRIO NO ESTUDIO F




ROBERTO MARIO LIMA E SILVA (1930 / 2011) é meu tio, irmão mais novo do meu pai, Maurício. Compositor, pianista e flamenguista doente, trabalhou mais de 30 anos na Petrobras como Administrador, onde também era integrante do coral da Ambep (Associação de Mantenedores-Beneficiários da Petros).

Nesta terça, dia 9, é aniversario de nascimento dele. O programa ESTUDIO F da Funarte/Rádio Nacional bota tapete literalmente vermelho e preto para homenageá-lo.

Ele foi o primeiro namorado de Doris Monteiro, quando ela ainda tinha uma trança e a mãe do lado. Roberto acompanhava a namorada aos programas de Chacrinha na rádio, “comiam um bife no Lamas, e depois iam namorar lá pelas bandas do Hotel Leblon...” Inspirado na doce amada, compôs com o mano Maurício Sou tão feliz”, sucesso que Doris emplacou no início dos anos 50 na gravadora Todamérica.

Primo de Ana Botafogo, foi grande incentivador da carreira da primeira bailarina do Municipal. Compareceu a todas as suas primeiras récitas, e de tanta admiração nasceu

Ana, um hino à perfeição”, que compôs com a cantora Celeste, e Simone Guimarães gravou sob a batuta de Célia Vaz. Trata-se de um samba bem jogadinho, que cita a valsa de Tchaikovsky do “Lago dos cisnes”, um dos grandes momentos de Ana. Pura emoção.

Ana, linda chama, soberana,

Valorizas qualquer papel...

Tão elegante em temps-levés,

Envolvente em pás-de-deux

Transbordante em emoção...

Quer sendo etéreo elemental,

Ou boneca, ou ser real,

És um hino à perfeição!


Com o coração cheio de emoção convido todos a escutarem o ESTUDIO F que homenageia Roberto, apresentado com apuro por Paulo César Soares e editado com igual refinamento por Joaquim Monteiro.

Eu e minha família estamos realmente emocionados pela lembrança desta homenagem ao nosso querido Roberto. Valeu, Paulo César!

ESTUDIO F - ROBERTO MÁRIO

Terça (dia 9) às 20h

Domingo (dia 14) às 23h em reapresentação

Rádio Nacional AM – 1.130kz

E também Ao Vivo no Site da EBC (Empresa Brasil de Comunicação):

www.ebc.com.br


Foto 1: Paulo Marcelo

Fotos 2 e 3: Google



terça-feira, 2 de agosto de 2011

JOSÉ ANTONIO PINHEIRO, O ZÉ DO SORRISO ABERTO



Quem nunca teve na vida um grande amigo chamado ZÉ ? Eu tenho poucos e bons... Mas um é, e sempre me será especial : José Antonio Pinheiro.

O sorriso aberto do Zé ao lado de Hélio Braga, no aniversário de Luiz Mauricio Capiberibe

José Antonio Pinheiro, mineiro de Divinópolis, acariocou-se em 1973. Começou a trabalhar no Rio, Rádio Continental, como jornalista no programa do apresentador Mauro Montalvão e a seguir na agencia de Ewaldo Lemos e Rizeth Lumer, a Rival, dando os primeiros passos em divulgação. Foi em seguida que entrou para a Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes), onde permaneceu até seu fechamento, e dinamizou o trabalho do divulgador, dando um toque especial no departamento com sua sensibilidade e dinamismo. Paralelo, virou articulador do cinema brasileiro, tornando-se companheiro de luta de todos os cineastas que esbarrou na Embra, e amigo particular de alguns. Toques a serviço de sua inteligência brilhante.

Nos últimos dez anos passou a colaborar em roteiros cinematográficos com produtores do calibre de Norma Bengell, Geraldo Sarno, Maria do Rosário e Ana Carolina. E mais outros tantos grandes cineastas.

Ana Carolina, grande amiga e incentivadora do roteirista Zé Antonio

Nos anos 90, prosseguiu na RioFilme o aprendizado da Embra, sempre ao lado do amigo Luiz Mauricio Capiberibe, quando fizeram um trabalho sério na divulgação dos filmes brasileiros da retomada, especialmente na recente gestão de José Wilker.

Colaborou com Ana Carolina em seu premiado filme “Amélia” (1998) , e estava repetindo agora a experiência na elaboração do roteiro do próximo longa de Ana, “A Primeira Missa”. Simultaneamente trabalhava também com o amigo Geraldo Sarno.

ZÉ nos deixou semana passada assim de repente, sem aviso prévio. Seus amigos ficamos todos num vazio desconfortável. Meu amigo há tanto tempo, depois de tantas distancias ultimamente, tive o privilégio de conviver com ele neste ano, uma despedida dupla, que sucedeu a partida de Maria da Gloria, sua primeira amiga do Rio de Janeiro, junto com o lançamento do livro da TV Tupi.

Descansa, amigo. Cumpriu sua missão tão bem, deixando um rastro de dignidade, ética e afeto legítimo, que emocionou a todos que te conheceram. Estou certo que você está sendo bem recebido na vida eterna por suas Marias: do Rosário e da Glória !

Nosso ZÉ querido, sorriso aberto e cabeça ferveeendo, até sempre.

Nesta quinta feira, dia 4 , será celebrada a Missa de sétimo dia de sua discreta saída de cena na Igreja da Ressurreição, na Francisco Otaviano, Arpoador, às 19.30h.