sábado, 22 de fevereiro de 2014

NESTOR MONTEMAR, QUANDO O CÉU É O LIMITE



Poucos eu conheci com a obstinação de NESTOR MONTEMAR (1933-1995). Carioca, do Méier, ele era imbatível na autoconfiança, se acreditava por inteiro, e assim, o céu era o limite na condução da carreira e dos projetos teatrais. As adversidades  encarava com bravura, e sempre conseguia dar um jeito de se safar dos constantes imprevistos, usando um jogo de cintura sem igual...

Mostrou seu talento de ator (sobretudo para comédias e musicais) e de empresário teatral em mais de 40 anos de carreira. Lutou pra caramba para ser reconhecido e respeitado no meio artístico. E conseguiu.


No ano da sua inauguração, a tímida TV Continental (1959-1972), a terceira emissora de televisão carioca, se aventurou em teleteatros. Antonino Seabra, Mário Brasini, João Loredo e outros, sob a batuta do diretor artístico, o veterano Dermeval Costa Lima, montaram altas produções ao vivo e em  preto e branco com surpreendente repercussão na época. Uma delas foi  “O Corcunda de Notre Dame” em versão do livro de Victor Hugo, estrelado por MONTEMAR e Theresa Amayo. Seu trabalho foi muito elogiado.


O clássico “A visita da Velha Senhora” de Dürrenmatt ocupou todos os gigantescos estúdios do canal 9, incluindo a enorme piscina do estúdio B... e recebeu elenco estelar: Italo Rossi, Fernanda Montenegro, Sadi Cabral, Otoniel Serra e MONTEMAR.

Ele orgulhava-se do nome artístico que Henriette Morineau lhe deu. Quando a grande dama francesa do teatro soube que seu nome era Nestor Bezerra da Silva Filho, radicalizou e, inspirada no bairro boêmio Montmartre, bateu o martelo para NESTOR MONTEMAR; ela lhe disse: “É sonoro, Nestor, imponennnte.” Fernanda Montenegro só o chamava pelo sobrenome artístico, e Bibi Ferreira, por Montmór



Ele foi um grande amigo que eu tive e uma das pessoas mais divertidas que conheci; nos conhecemos no Poeira de Ipanema, quando eu, aos 18, fazia a divulgação do charmoso cinema de arte de Marco Aurélio Moreira Leite, Luiz Fernando Goulart e Cacá Diegues. Morando perto da General Osório, ele assediou tanto os donos do Poeira, que os convenceu a transformar o local em teatro (que no passado já havia sido o Teatro de Bolso) e ainda produzirem a revista “Tem Banana na banda”.

Amigo de Leila Diniz, a convenceu em plena praia de Ipanema, estrelar a revista ipanemenha que a partir daí, tornou seu principal foco, juntando a equipe e o elenco de um dos grandes  acontecimentos teatrais de 1970 no Rio. Ele convidou Kleber Santos para dirigir. No palco, além de Leila, Ary Fontoura, Norma Suely, Tania Scher, Valentina Godói, Ballik, Maria Aparecida, Zely Silva, Regina Bocão, Paulo Taboada, Silvio Correia Lima e outros, MONTEMAR imitou Oscarito, cantou com Leila a “Lola” de Lamartine e fez esquetes assinados por Millor, Luiz Carlos Maciel e Oduvaldo Vianna Filho.


Se tinha aptidões para o musical – dançava e cantava – igualmente tinha talento para reunir amigos. Assim, em 1965, atuou em “Os Fantastikos” sob a direção de Antonio de Cabo, no mini teatrinho da Senador Vergueiro, o Teatro Carioca, ao lado de uma ‘patota da mais alta pesada’, saquem só: Perry Salles, Rubem de Falco, Aníbal Marotta, Norma Suely, Lafayette Galvão, Emiliano Queiroz, Suely Franco e Gracindo Jr.


Amigo dos amigos, ele foi muito importante para carreiras de alguns deles. Agregador, estava sempre de antena ligada para dar força, indicar e reunir as pessoas em trabalhos profissionais. Formou companhia com Marilia Pêra e Gracindo Jr para a montagem daquele que foi o revolucionário musical dos 60’: “Onde canta o sabiá” de Gastão Tojeiro, quando Paulo Afonso Grisolli transgredindo a ingenuidade da peça, apimentou geral, colocando sensualidade e elementos circenses que causaram... O elenco primoroso chamou atenção mas Marilia Pêra foi um acontecimento.


NESTOR MONTEMAR fez mais de 15 filmes. Em “Asfalto Selvagem” de J.B.Tanko (1966)  teve a oportunidade de mergulhar no universo de Nelson Rodrigues, neste que é considerado um dos melhores filmes realizados sobre a obra do dramaturgo, e compor com sensibilidade um marido fraco e acovardado  da exuberante protagonista Vera Vianna, a Engraçadinha.
Brincou também de Jerry Lews em “O homem do Sputinik”(1959) de Carlos Manga, ao lado de Jô Soares, Norma Bengell e Oscarito, resultando muito bem.


Na telinha, depois dos teleteatros, participou de diversas novelas na Globo, desde quando a emissora engatinhava (“Rua da Matriz”, “Rosinha do Sobrado”), até os folhetins de Janete Clair, especialmente em “Pecado Capital”(1975), onde se destacou como o estilista saltitante Roger, ao lado de Maria Pompeu, Emiliano Queiroz e Lima Duarte.


Ao se aproximar a celebração do sesquicentenário da Independência do Brasil, 1972, MONTEMAR  entrou numa de ser Dom Pedro no palco. Mesmo desaconselhado pelos amigos, pois não tinha o phisique de rôle do personagem, e tendo Tarcísio Meira como referencia nas telas, nada o deteve. Convocou Hélio Bloch para escrever e dirigir um musical pomposo no Teatro João Caeteno, com músicas de Zé Rodrix, orquestra, coro, bailarinos e um elenco de primeira. 
Isabel Ribeiro deixou “Hoje é dia de Rock”, onde fazia enorme sucesso, para ser Domitila, a Marquesa de Santos, ao seu lado.


Arlete Salles foi a Imperatriz Leopoldina e Sonia Clara a princesa bávara Amélia de Leuchtenberg.Outro amor do Imperador, Sessé, a bailarina francesa, foi defendida pela bela Luiza Biá. O elenco masculino também tinha peso: Helio Ary, Fregolente, Francisco Dantas, Amândio, Hilton Prado, Francisco Milani, Arthur da Costa Filho e Paulo Pinheiro. D.Carlota Joaquina: Norma Suely. Nem o cast luxuoso,  nem a super produção de João Luiz Hoe conseguiram dar a  volta por cima. A estreia, super esperada, foi acidentada e o espetáculo não vingou.


Em compensação, a determinação falou mais alto: no ano seguinte, MONTEMAR realizou seu maior sucesso: “Greta Garbo, quem diria, acabou no Irajá” de Fernando Mello. Vivendo o homossexual suburbano Pedro que se envolve afetivamente por um interiorano jovem, Renato, e tem o mito de Greta Garbo como pano de fundo estourou!

Mário Gomes foi premiado como Revelação do ano por sua composição elaborada como Renato. Foi sua estreia nos palcos, quando sua carreira foi deslanchada.


Arlete Salles completava o trio, vivendo Meire, uma periguete da Praça Mauá. E mesmo só entrando no segundo ato, ela brilhava e arrancava gargalhadas com o bom humor afiado. O diretor Léo Jusi dirigiu os atores com esmero, dando oportunidade aos três de ótimas performances. Mas MONTEMAR humanizou de tal forma o personagem que emocionava a plateia em momento que o homossexualismo era apenas  galhofa, uma piada, uma marginalidade...


Eu fui o divulgador da maioria destas peças e apenas atuei como ator em uma: “ Bordel da Salvação” de Brendan Behan (1973). O original “The hostage” do irlandês Behan ganhou músicas de Zé Rodrix que sublinharam o conflito Irlanda-Inglaterra e deram  leveza à instigante montagem de João das Neves.
No final, o elenco acuado pelos soldados ingleses que apontavam carabinas – Paulo Ribeiro, Maria Rita, Paulo Guimarães,  Norma Suely, Ivone Hoffman, Emiliano Queiroz, Jorge Cherques, Dayse de Lourenço, Marieta Severo, Luis Sergio Lima e Silva, Buza Ferraz, Carlos Pikado e Geyr Macedo Soares – cantavam:

“Não há melhor lugar no mundo do que o próprio mundo...até que a bomba H nos ponha lado a lado, e é aí que eu quero ver quem é que vai sobrar!”  E todos eram metralhados...


Norma Suely está presente em todas as produções assinadas por NESTOR MONTEMAR. Além de ser sua atriz-fetiche, foi a grande amiga e alma gêmea, que o acompanhou até derradeiras montagens em viagem pelo Brasil no final da década de 1990. Um momento especial deste encontro rolou em “O Ministro e a Vedete” (1974), quando Norma era aplaudida em cena aberta em todas as noites, e recebeu recomendação especial do então crítico de O Globo Gilberto Braga.

Irreverente, debochado, parceiro e completamente imprevisível, NESTOR MONTEMAR passou pela vida com uma coragem sem limites. E deixou em todos nós a certeza do persistir e do encarar a luta.

12 comentários:

  1. Bela homenagem ao nosso amigo colega e especial ator ...saudades..... NESTOR em Tem banana na Banda.....os titulos das revistas ele acreditava tinham que iniciar com tem.. TEM PIRANHA NA LAGOA.....Nestor figura forte quando eu ainda era um forasteiro no Rio...Umbeijoemiliano

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  2. TRABALHEI MUITO COM ELE!
    Lucia Fernanda
    -via Facebook

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  3. Artistas como Nestor Montemar nós sabemos tão pouco. Lembro dele na televisão e em propagandas de teatro sim, mas é facil de constatar lendo sua reportagem o quanto é rica a vida do artista! Parabens, Lita Paes Leme

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  4. Só você para lembrar e honrar o adorável e precioso Nestor
    bjs
    Hilde
    -via e-mail

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  5. joão carlos rodrigues24 de fevereiro de 2014 às 08:46

    Me lembro de quase tudo. Saudades dele.

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  6. bacana
    GB
    Gilberto Braga via e-mail

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  7. Olá:

    Legal teres conhecido o saudoso artista...
    E por celebridades terem postado mensagens aqui!
    Descobri o blog ao procurar pelo ator. Até imaginava que tal já tivesse falecido; e pela TEMIVEL DOENÇA - como chamo o CANCER. Alias essa enfermidade, apesar de haver avanço sobre esta: ainda dizima mesmo/um dos meus pais se foi há dois anos e um familiar próximo a mim se encontra com isso_onde fará uma operação nesses dias. Brabo mesmo.
    Quanto a mim: também sou do RJ, só que resido no RS há tempos. Quando aí residia, via algumas famosidades: aqui no sul já encontrei algumas inclusive.
    E como conheço COPACABANA, meu pai foi criado no bairro e minha mãe conhecia: parentes próximos. Sei que está bem diferente desde minha vinda para cá (retornei ao RJ poucas vezes).
    E curto o LEME também (talvez o prefira).
    Citas ARARUAMA; minha familia tinha casa de veraneio (praia) no BALNEARIO SÃO PEDRO DA ALDEIA - tenho algumas fotos de lá. Marcou a infância mesmo. E certamente deve ter pego os engarrafamentos na estrada em épocas de feriado. Aqui dizem TRANQUEIRA.
    Citas que NÃO GOSTA DE CHUVAS... Até entendo o que tenhas passado nas ANTILHAS. Eu gosto; dá uma sensação de LIMPEZA - embora aqui em POA quando dê POUCAS MESMO cause transtornos. Dizem que o GAÚCHO TEME TAIS.
    E desculpe o texto longo. Bom expressar opiniões.

    Saudação cariúcha,
    Rodrigo Rosa

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  8. ... não és o ator do CASSETA & PLANETA (Reinado alguma coisa)? Parecido com ele.
    E ler GIBIS/AFINS: bom mesmo, lia quando menor e que saudade!

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  9. Atuou em papéis secundários_tipo FUNCIONÁRIOS.
    Vendo aberturas de novelas antigas se vê seu nome.

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  10. Foi procurando por Nestor de Montemar que cheguei neste texto. Quanta saudade me deu poder ler sobre Leila Diniz e Tânia Scher, Ary Fontoura e Norma Suely, no espetáculo Tem Banana na Banda, que assistir recém chegado ao Rio, em 1970. Sou de Campos (RJ) e me lembro bem do teatro Poeira, na Rua Jangadeiros, em frente à Praça General Osório. Morava em Ipanema, na Rua Nascimento Silva.
    Também assisti a montagem pioneira de GReta Garbo, quem diria, terminou no Irajá, com Montemar, Arlete e o belíssimo Mário Gomes, no TEatro Santa Rosa, que ficava no começo da Rua Visconde de Pirajá e depois virou uma discoteca (acho que o nome era New York). Que Rio era aquele, meu Deus, que cidade maravilhosa de verdade. Quem viveu morre de saudade.

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  11. Meu texto acima, esqueci de por o nome. Quanta emoção e saudade.

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  12. SAUDADE dos anos 1970 - Nestor de Montemar nos alegrava muito - um grande ator - sua peça Greta Garbo é inesquecivel -

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