quarta-feira, 22 de setembro de 2010

NITROGLICERINA PURA: MARISA & RAUL



Trinitrato de glicerina líquido e oleoso utilizado em explosivos é o coquetel Marisa Raja Gabaglia e Raul Seixas.


A carioca Marisa Raja Gabaglia nasceu num espaçoso automóvel Packard a caminho da casa de saúde em plena Copacabana de 1942. Primeiríssima aluna do Colégio Sacré-Coeur de Jesus, formou-se em jornalismo na PUC enquanto escrevia poemas que enviava a Manuel Bandeira. Encarava as freiras do colégio, nunca foi santa.

Brilhante jornalista da Bloch Editora (Manchete, Fatos & Fotos, Ele e Ela, Desfile), ela assinou matérias e crônicas memoráveis nos jornais Última Hora e O Globo. Trabalhou dezoito anos na TV Globo, foi jurada do programa de Flávio Cavalcanti na TV Tupi e escreveu oito livros: “Milho pra galinha, Mariquinha” (Editora Sabiá) foi o primeiro e record de vendas. Ao visitar o cirurgião plástico Hosmany Ramos na cadeia para uma entrevista (preso por assaltos, contrabandos e outras baixarias), apaixonou-se, quando escreveu o polêmico “Meu amor bandido”. O livro vendeu mais que banana.

Era uma linda bonequinha (de luxo) de olhos redondinhos e cabelo joaõzinho,
uma doçura de amiga, companheira de boemia e experimentos... Libertária por convicção, foi porta-voz do feminismo tupiniquim. Marisa deu altos toques na mulher dos anos 70. Mas quando se apaixonava, sai de baixo, era uma gueixa.

“Não sou superior a nada nem a ninguém. Dependo tremendamente do homem a quem eu estiver ligada, tanto emocional quanto intelectualmente.”

Para celebrar seu resgate via web, segue uma de suas antenadas crônicas-poema, publicada na Última Hora daqueles efervescentes anos de transformação. E é claro que ela sintonizou Raulzito, saquem só :


OS MALUCOS BELEZA E OS MALUCOS TRISTEZA


Raul Seixas está aí dando seu recado. Um show a mais. Mas o que grita, o que fica, é a palavra. Que a música apenas embala.

Numa entrevista recente, Raul dividiu as pessoas desse torto mundo em MALUCOS BELEZA e MALUCOS HOSPÍCIO.

É isso aí amizade.
O MALUCO HOSPÍCIO é o careta. O engravatado amordaçado no nó dos seus preconceitos. Enforcado.

O maluco hospício é o tumultuado, o perdido, desorientado na rota do fumo.

Fumaça que sufoca e passa.

Maluco hospício é o pai que rejeita e o filho que julga.
É o racional.
O que conceitua com a mente, não com o coração.

Os malucos hospício não seguram a barra.
Estão na ciranda, no confete da festa. Não tomam ar na varanda.
Botam cinto na alegria e barbantes nas palavras.

O maluco hospício está na bílis que corre no sangue das famílias.
Agregadas. Armadas. Fracassadas.

O maluco hospício usa a palavra como faca. É sua arma.
Ele não rima. Esgrima.
Fere. Retalha. Estraçalha. Falha.

O maluco hospício é um tadinho. Tadinho na vida.

O MALUCO BELEZA é o amor.
É o tudo e o nada.
Ele bebe da fonte que desce daquele monte mesmo que seja noite.

O maluco beleza é um regador de jardins alheios.
Não faz perguntas nem respostas. Entende.
Com o coração.
Ele é feito das coisas simples.
Maluco beleza não conhece tristeza. Não faz essa rima.

É cuca fresca. Astral leve. Palavra breve.

Não teme. Não sabe o segredo do medo.

Toma banho de chapéu, discute Carlos Gardel e a vida é sopa no mel.
Flui mansa. É uma dança.

Maluco beleza é bailarino na curva do arco-íris.
Lei pra maluco beleza não tem itens nem artigos.
Ele não cataloga, não rotula, não empacota.
Ele embala e se cala.
As crianças são malucos beleza.
E os puros de coração. Esses têm sempre razão.

Os malucos beleza são bem aventurados.
Bem amados.Pacificados.
Não perdem o pé. Têm fé.
Sem lenço, sem documento, sem CPF, sem postos e impostos.

Maluco beleza é o filho que veio.
Dedilha alegria.
Os malucos beleza são meninos de Jesus.
Sem cruz.
Amém.

Como é bom para esse “sexysagenário bucaneiro” lembrar da Marisa, que conheci quando divulgava o filme “Marilia e Marina” do Luiz Fernando Goulart.
Ela fez uma linda matéria para o jornal Hoje da TV Globo, que ajudou a alavancar o lançamento, deu um peso incrível. A partir daí ficamos amigos para todo o sempre, curtimos momentos geniais até que em 2003 seu sangue azul diluiu-se, e ela partiu. Muito mais poderia viajar na maionese sobre ela, mas uma síntese combina bem com esta mulher de alma pura, sensorial, intensa e uma das maiores maluco beleza do planeta. Mas a pauta sobre Marisa Raja Gabaglia continua de pé, voltaremos com ela em breve.

E a palavra, que ela conceitua tão bem no início da crônica, é o que fica, é o que grita. Absoluta no assunto, sintetiza:


“As palavras não têm peso. Só são cheques assinados quando são

acompanhadas dos atos. As palavras que falam e não agem de acordo com o

que dizem são cheques sem fundos”.

5 comentários:

  1. Entrevistei Marisa algumas vezes e, que Deus a tenha, ela se achava o máximo. Não era nada modesta e destilava arrogância. Ela teve um namorado rico, o chamado "senhor que o ajudava", cujo nome prefiro não declinar, em respeito à sua família. Marisa ostentava um enorme anel de brilhante, que teria sido presenteado pelo tal "senhor". O pessoal da Última Hora chamava o brilhante de "Francão 70" (era 1970). Reza a lenda que ela vendeu o brilhante valioso e comprou o apartamento da Rua Engenheiro Pena Chaves, no Jardim Botânico.

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  2. Ela era uma bonequinha como voce diz mas era uma bonequinha desbocada e irreverente demais! Nossa, cala-te boca!!!
    Suzana Medeiros

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  3. Fazem muitos anos que não se fala da Marisa, foi uma boa idéia trazê-la de volta.Eu sempre admirei a sua sensibilidade quando escrevia,,mas o que eu mais melembo era a coragem em criticar a burguesia que ela fazia parte. Bravo! Ela é digna representante da mulher Maluca beleza,
    um grande abraço do Geraldo Galocha

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  4. Sencacional!!!!não se faz mais malucos beleza como antigamente, Gladys

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