terça-feira, 11 de março de 2014

NO CINQÜENTENÁRIO DO GOLPE DE 64, QUEM TEM MEDO DA VERDADE ?



A Comissão Nacional da Verdade, a comissão brasileira que investiga violações de direitos humanos ocorridas no Brasil entre 1946 e 1988, e que foca  principalmente os fatos ocorridos no regime militar (1964-1985), o golpe de 64, quando, segundo a CNV, pelo menos 50 mil pessoas foram presas no primeiro ano de existência, foi prorrogada até o final deste ano.

A verdade, nada mais do que a verdade, em seu estado puro, está sendo restabelecida. Violações dos direitos humanos em lacunas significativas estão sendo preenchidas nestes dois anos em ação, como a identificação dos responsáveis nos casos Vladimir Herzog, Rubens Paiva, Stuart Angel e tantos outros,  a localização dos restos mortais dos guerrilheiros executados no Araguaia, a violência do regime autoritário contra os povos indígenas até o esclarecimento das mortes dos presidentes João Goulart e Juscelino Kubitschek, entre outros fatos.


Eu e minha geração estamos atentos e fortes  neste momento de resgate da nossa história, momento histórico, quando acontece o cinquentenário do golpe de 64. Foi osso, a gente sabe. Os ares progressistas e democráticos vividos nos últimos tempos no país possibilitam vigorar uma espécie de ‘lei do retorno’, tipo reabrir uma ferida não cicatrizada. Ou, em síntese, fazer justiça.


Ao instalar a CNV em 2012, a presidenta Dilma Rousseff, ativista política, emocionou-se pra valer, e destacou em seu discurso que as investigações não serão movidas pelo ódio ou revanchismo, e parafraseou Galileu Galilei lembrando que  
“a força pode esconder a verdade, a tirania pode impedi-la de circular livremente, o medo pode adiá-la, mas o tempo acaba por traze-la  a luz. Hoje, esse tempo chegou.”


Composta por sete membros, Gilson Dipp,. José Carlos Dias, José Paulo Cavalcanti Filho, Maria Rita Kehl, Paulo Sergio Pinheiro, Pedro Dallari e Rosa Cardoso, esta, advogada defensora da presidenta Dilma na ditadura, a comissão está a pleno vapor.
A doutora Cardoso, que define os crimes da ditadura como ‘fábrica de mentiras instalada há 50 anos com a derrubada do presidente João Goulart’, em entrevista à Carta Maior, ressaltou que o golpe ‘foi realizado pela elite militar, não por todos os militares’, declarando: 

“Quero dizer que até hoje as Forças Armadas devem um pedido de perdão à sociedade brasileira, com que estariam assumindo uma posição civilizada e democrática, que é, afinal de contas, o que se espera dos militares no século 21...Assim como a Rede Globo, respondendo a motivos diversos e oportunistas, inclusive a razões de mercado, fez uma autocrítica (sobre sua cumplicidade com os militares), é preciso que as Forças Armadas façam uma autocrítica política sobre seu comportamento.”


Em 1964, eu adolescente, me lembro daquele burburinho brabo à nossa volta, o medo plantado nas cabeças da classe média, daqueles comunistas que ameaçavam o país, e os salvadores militares...Em 1968, aos 18 anos, estava na TV Continental ao lado de uma turma corajosa e inteligente, todos comandados por Reynaldo Jardim e Ana Arruda. Era a galera do jornal O Sol, que ao sabor dos tempos quentes passou a se chamar Poder Jovem.

Eu e Theresa Jorge, a Catito

Apresentávamos diariamente um telejornal-cabeça, Poder Jovem, dirigido aos jovens, ao som do Caetano: 

"Toda essa gente se engana ou então finge que não vê que eu nasci pra ser o Superbacana”..

Apesar da presença de um censor no estúdio, passávamos informações de maneira velada junto à efervescência cultural do momento e até anunciávamos passeatas com muita cautela. Mas muita coisa era proibida e censurada.

Catito, Martha, Ana, Zé Antonio, Monica, Zezé, Jorge, Vera, Geísa, Analuce, João Rodolfo, Sá, Ribamar, Adolfo, Celinha, Eva, Poerner, Rosiska, Henfil,  Tetê, Gontijo e tantos outros que não lembro agora, habitávamos o jardim do Reynaldo, nosso Jardineiro-Poeta, mestre e guru.


A minha praia era o teatro, então levava entrevistados que estavam em cartaz no  Rio naquele momento. Lembro  de ter entrevistado a Neila Tavares e a turma do Mini-Teatro, a Eugenia Álvaro Moreyra e a turma do Tablado e conseguido a proeza, uma vitória para mim, de levar ao programa Tonia Carrero, a atriz emblemática do movimento cultural que lutou contra a Censura, ela que estava fazendo grande sucesso com “Navalha na carne” de Plínio Marcos, ao lado de Emiliano Queiroz e Nelson Xavier. O espetáculo de Fauzi Arap era um soco na boca do estômago.

O censor de estúdio vetou os assuntos abordados nas perguntas  previamente produzidas. Não me lembro quem, Zé Antonio ou Rofolfo (?), a cinco minutos do programa entrar no ar, teve uma genial ideia: a entrevista seria muda, nós perguntávamos e ela só faria gestos em mímica em resposta. Tonia topou e arrasou. Ficou no ar quase quinze minutos “respondendo” à apimentadas perguntas muito bem elaboradas.
Foi um sucesso! Acabou o programa, sumimos com Tonia, embarcando-a num taxi pois os ânimos esquentaram... E como de praxe, entramos nas kombis de reportagem da Continental que grafava seu imenso 9 nas laterais para a passeata das seis...Com o carro de reportagem, conseguíamos percorrer todas as áreas da Presidente Vargas, e sempre dávamos caronas para dezenas de  manifestantes, desde que...se abaixassem para não serem vistos.


Em 2006, Martha Alencar e Tetê Moraes produziram e dirigiram o  documentário “O Sol – Caminhando contra o vento” (à venda em DVD), contando muitas histórias dos inesquecíveis anos de chumbo que vivemos na trincheira do jornalismo alternativo, com as presenças luxuosas de guerreiros top de linha, tipo Vladimir Palmeira, Ittala Nandi, Luiz Carlos Maciel, Marcio Moreira Alves, Tonia Carrero, Ruy Castro, Ziraldo, Chico Buarque, Gil, Gilberto Braga, Hugo Carvana, Betty Faria, Fernando Gabeira, Carlos Heitor Cony e tantos outros... Resultou em documento precioso de boa fatia da história da ditadura militar. Imperdível para quem não viu.

ZUZU  E  STUART ANGEL


Os 50 anos do golpe que acontecem agora, dia 1 de abril, despertam manifestações de diversas áreas: do Tortura Nunca Mais, dos advogados dos presos políticos, com Eny Moreira à frente, o lançamento do story board do filme “Primeiro de Abril, Brasil” da Maria Leticia na Casa Laura Alvim (Ipanema), passeata de professores que homenagearão Henriette Amado, Zé Celso Martinez programando uma vigília no Oficina e tantas e tantas outras...Um gosto amargo de festa.


Em São Paulo, no Itaú Cultural, será inaugurada dia primeiro de abril uma mega exposição de Zuzu Angel, a mais conhecida estilista brasileira e um ícone na luta pelos desaparecidos políticos na ditadura militar, à frente do desaparecimento de seu filho, o ativista  Stuart Angel.


A Mostra Retrospectiva da história da inesquecível Zuzu Angel vai expor croquis, estampas criadas pela estilista, fotografias e até a carta que escreveu em 1976 ao então Secretário-geral de Estado dos EUA, Henry Kissinger, sobre os desaparecidos. Nos quatro andares do Itaú Cultural da Avenida Paulista acontecerão desfiles de réplicas das suas criações e exibição do  rico acervo do Instituto Zuzu Angel, que preserva a sua obra e é comandado por sua filha, a incansável Hildegard Angel, atriz do teatro de resistência do Oficina e jornalista prestigiada.


9 comentários:

  1. ZUZU ANGEL, figura maior na luta contra a ditadura , no momento de descomemoração do golpe de 64.... meu respeito e carinho a uma mulher sacrificada pela bestialidade que imperou no pais. ....

    ResponderExcluir
  2. Querido,
    O Bucaneiro está cada vez melhor!
    Saudades de vc,
    Vou botar a foto no Face.
    Ela merece. E vc tb!
    Bjs mil
    Maria Lucia Dahl
    -via e-mail

    ResponderExcluir
  3. COMPARTILHA NO FACE !
    Sensacional !
    Bjs,
    Bigo.
    - Luiz Carlos Lacerda via e-mail

    ResponderExcluir
  4. Luis Sérgio,
    O Bucaneiro de hoje está sensacional!!!
    A matéria sobre o Nestor de Montemar é maravilhosa, as fotos são uma
    viagem deliciosa ao passado.
    Tem 64, Stuart, Zuzu, Comissão da Verdade, Tônia e muito mais.
    E como se não bastasse, a filha da Vera pra fechar com chave de ouro!
    Abração,
    Betina Viany
    -via e-mail

    ResponderExcluir
  5. Dá-lhe Luis Sérgio! Enfim a descomemoração do golpe! Tenho amigos que até hoje carregam sequelas físicas e psicológicas desse tempo insano. Não me lembro se li sobre exposição das roupas do desfile da Zuzu em Nova York. Bjs, Tania Lóes
    -Via e-mail

    ResponderExcluir
  6. Só quem viveu esse tempo nefasto sabe o que foi.Quantas vidas perdidas e sonhos cortados. Deu no que deu. A juventude de hoje devia estudar nossa história recente para entender os tempos que deixamos para eles. Selena

    ResponderExcluir
  7. Tudo é sinistro nesse país. Vai ter agora uma Marcha como aquela que ajudou a depor Jango. É dificl acreditar mas a direita está viva! Paulo Mendonça de Barros

    ResponderExcluir
  8. A Hildegard herdou a coragem da mãe, Zuzu é mulher emblemática que merce ser louvada sempre! Será que a exposição vem ao Rio? Faço votos que sim.
    Lita Paes Leme

    ResponderExcluir
  9. Oi Luis Sérgio ! Meus parabéns por todo o trabalho que vens fazendo , através do Bucaneiro que sempre nos fomenta grandes lembranças e ótimas discussões e análises. Saudade . Um abração amigo !

    ResponderExcluir