quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

O VELHO LOBO RONALDO BOSCOLI


Era uma vez um lobo mau que resolveu jantar alguém/ Estava sem vintém mas se arriscou e o lobo se estrepou    (Lobo bobo)


A ‘porção selvagem’ da família Canis lupus ele não escondia, mesmo sendo um gentleman, no fundo um Lobo nada bobo...RONALDO BOSCOLI (1928-1994) era acima de tudo um colecionador de histórias maravilhosas que gostava de contá-las nos mínimos detalhes. O humor ácido e a língua afiada combinavam bem com aquele carioca muito bonito e cheio de charme. Tudo isso tornava o Ronaldo fascinante...

Compositor inspirado, jornalista e diretor, ele foi múltiplo em todas as atividades, uma das cabeças principais do Movimento Bossanovista, desde “A Noite do Amor, do Sorriso e da Flor” na UFRJ,  como também criador do pocket-show, em parceria com Miéle, um formato experimentado com sucesso no Beco das Garrafas, Copacabana. Pela precariedade de espaço, surgiu assim o show de bolso.

...Sem intenção nossa canção vai saindo desse mar/ E o sol beija o barco e luz/ Dias tão azuis   (O barquinho)


Uma lenda o cara. De Ary Barroso a Tom Jobim ele cruzou com toda a MPB daqueles célebres anos, influenciando as carreiras de Wilson Simonal, Maysa, Roberto Carlos e Elis Regina, com quem foi casado. E compondo joias em parcerias com Carlos Lyra e Roberto Menescal, principalmente.


Eu o conheci na Globo, quando trabalhei com Carlos Alberto Loffler no “Som Livre Exportação”, ele fazia o “Elis Especial”. Nasceu ali uma amizade que durou até sua partida, há exatos 20 anos. A gente se via pouco e telefonava sempre, papos longuíssimos que sempre terminavam em altas risadas e alguns planos.

Citando sua famosa “Lobo bobo”, parceria com Carlos Lyra, Elis Regina foi o Chapeuzinho Vermelho que ‘trouxe o Lobo na coleira’ por seis anos...
Quando Elis morreu foi aquele choque que pegou o Brasil de repente...Liguei pra ele e até pensei que nem fosse atender. Ele estava irado: “Era só o que faltava, ela quer ser uma nova Marylin Monroe”, bradou indignado. Ficamos horas no telefone e ele batia máquina, falava com seu braço direito Zezinho, e não queria desligar.  Senti que estava transtornado, e então me ofereci de encontrá-lo. Ele aceitou e disse que mandaria o carro me pegar. Dez minutos depois me ligou desmarcando. Queria ficar só.

Pra que rumo ruma o mundo sem o mar, sem luar/ Neste barco longe do mundo/ Só nós dois e um segundo     (Carta ao mar, feita pra Elis)


O s shows Miélle&Boscoli tornaram-se uma grife na história do nosso showbizz. Os shows de bolso do Beco das Garrafas deram um charme especial à Bossa Nova pelas mãos da dupla. Um cantinho, um violão...Bastava um som com alguma qualidade, um queijo, um canhão, uns spot-lights, um bom roteiro  e nomes como Sylvinha Telles, João Gilberto,Tamba Trio, Bossa Três, Leny Andrade, Pery Ribeiro,  Lennie Dale, Marly Tavares, Nara Leão, Milton Banana Trio, Os Cariocas e tantos e tantos...

Na televisão eles fizeram no início da Globo um musical inspirado no formato que me lembro com saudade, era  o “Dick&Betty 17” com Dick Farney e Betty Faria. O pocket-show  desdobrou-se em grandes espetáculos que vieram a seguir. Assinando shows e mais shows, o auge da dupla foram os shows de Elis no Teatro da Praia e os de Roberto Carlos no Canecão.

A dor é minha, em mim doeu/ A culpa é sua, o samba é meu/ Então não vamos brigar/ Saudade fez um samba em seu lugar     (Saudade fez um samba)


Ronaldo me contou da resistência de Roberto Carlos em falar no palco. Guru de carteirinha, ele foi aos poucos criando frases meticulosamente escritas que ajudaram o Rei a vencer a timidez. “Foi uma batalha”, segundo disse, “convencê-lo a se pintar de palhaço para cantar “O show já terminou”. Dos bem sucedidos shows do Canecão, Miélle&Boscoli passou a assinar os Especiais do cantor na TV Globo.

Só me lembro muito vagamente/ Da tarde que morria quando de repente/ Eu sozinho fiquei lhe esperando e chorei               (Vagamente)

No livro de memórias “Eles e Eu” (Editora Nova Fronteira) de Luiz Carlos Maciel e Ângela Chaves, uma das melhores biografias de RONALDO BOSCOLI, ele fala das tais cismas do astro,  que anos depois se revelariam como o transtorno obsessivo (TOC) que o persegue. Roberto teve dificuldade em cantar “As rosas não falam” do Cartola: “Não conseguiu cantar. Até que nos confessou:”Bicho, não posso cantar isso.É mentira.  Converso todo dia com minhas plantinhas.Falo com elas. As  plantas falam, bicho.”

Na contracapa do livro, Roberto Carlos escreveu e revelou o seu ‘biógrafo favorito’:
“Eu e Boscoli temos uma parceria de vinte e cinco anos.Ele escrevia o que eu pensava para nossos shows.O mais engraçado é que há uns cinco anos a gente combinou que ele iria escrever a minha biografia. Em vez disso, acabou falando sobre mim nas memórias dele. Mas continua a escrever o que eu penso. Legal, Bicho”.

...Ah, se eu pudesse no fim do caminho achar nosso barquinho e levá-lo ao mar/ Ah, se eu pudesse tanta poesia/ Ah, se eu pudesse sempre aquele dia     (Ah! Se eu pudesse)
                                

As primorosas letras que criou para suas composições mostram um poeta derramado, romântico, sempre de quatro por um amor. As musas inspiradoras foram suas parceiras, então é música inspirada em Sylvinha Telles, Nara Leão, Maysa, Mila Moreira e Elis, entre outras...”A volta” chamava-se “Mila”, mas, segundo me contou, Elis se apaixonou pela música e se recusou gravá-la com este título. O Lobo, bobo, cedeu.

Levanta e vem correndo/ Me abraça e sem sofrer/ Me beija longamente/ O quanto a solidão precisa pra morrer    (A volta)


Com o cunhado Vinicius de Moraes, casado na época com a irmã Lila, ele teve uma relação tumultuada de sentimentos. Achava Vinicius egoísta no lance da parceria musical, mas reconheceu que ele foi útil a vida toda para ele. Tom Jobim foi Ronaldo quem o apresentou no momento que surgia o projeto “Orfeu da Conceição”. No dia seguinte da apresentação, tudo ficou oficializado no Villarino sob a batuta de Lúcio Rangel.

...E olhar pro céu que é tão bonito/ E olhar pra esse olhar perdido nesse mar azul/ Vem a onda nasceu, calma desceu, sorrindo/ Lá vem vindo/ Lá se vai mais um dia assim   (Nós e o mar) 


Saudade do Velho Lobo. No primeiro show que dirigi na vida, “Nova leitura” (Teatro Rival, 1991), que marcou  a volta de Claudette Soares, ele me deu altos toques. O timing, os textos enxutos, medleys, etc. Claudette, presença na “Noite do Amor, do Sorriso e da Flor”, cantou além de um medley de Bossa Nova só com suas músicas, também arrasou na interpretação de “A volta”, ele se emocionou.  Ronaldo fez o texto do programa.

Em nossos últimos telefonemas, estava amargo e cansado de certos esquemas. Queria que eu fosse trabalhar com ele no lugar de um assessor que  estava insatisfeito. Não deu tempo.

Nestes 20 anos de sua partida, vem a imagem viva dele na cobertura da Barra tentando uma transmutação. Ave!

Se é tarde me perdoa/ Trago desencantos de amores tantos pela madrugada/ Se é tarde me perdoa/ Eu vinha só, cansado...          


8 comentários:

  1. PARABÉNS BUCANEIRO PELA ESCOLHA DESSA CRÔNICA, COM O CONTROVERSO RONALDO BOSCOLI E A LINDA MULHER EM TODOS OS SENTIDOS- NOSSA GISELE!
    Talento e persistência sempre dão bons frutos.AVANTI!
    Da sua eterna fan
    Vera Vianna

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  2. Ótimo texto, Luis Sergio Lima e Silva. Saudades do Ronaldo. Entrevistei o Mièle para a revista Florense este mês. Ele conta várias histórias dos dois. Se tiver i-pad você pode ler. bj.
    Maria Lucia Rangel

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  3. Luís Sérgio preparou um delicioso banquete para homenagear o Lobo Bobo, sem economizar os vinténs.

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  4. Quantas músicas maravilhosas! Mas O Barquinho sempre foi das minhas favoritas pela singeleza e pela carioquice. Aplausos para o lobo que pouco conhecia a respeito dele. Lita Paes Leme

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  5. Parabéns, parabéns, parabéns!!!!!
    De uma tacada só, você homenageou o Ronaldo e os seguidores do blog. Você garimpou um Ronaldo poeta, criativo, amigo bem diferente do lado polêmico tão mais explorado. Revi um outro Ronaldo e relembrei músicas maravilhosas. As dicas sobre o Roberto, as musas, enfim, que prazer ler o que parece o início de um novo livro...
    Nestes cinco anos, O Bucaneiro criou um maravilhoso arquivo de dados. Obrigada por fazer o que tanto buscamos. Beijos e muita saúde.
    Tania Lóes
    via e-mail-

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  6. Materia de quem conhece bem o homenageado. Parabens do velho ator emilianoqueiroz

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  7. Esse Roberto Carlos virou um mala sem alça com tantos transtornos assim quem aguenta? Até o Cartola o meu????Cadu

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  8. Parabéns Luis, bela matéria sobre o Nestor, e da filha da Vera Setta. Um abraço fraterno!

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